A catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul desperta o interesse de leitores no Brasil e no mundo. Afinal, a dimensão é colossal: cidades inteiras submersas, mais de 500 mil desalojados e mais de 140 vítimas fatais, além de desaparecidos.
Eu, que moro em Maceió, mas sou gaúcho, quis buscar informações sobre o Vale do Taquari, região bastante atingida. Ao acessar o buscador Google, recebi indicação de links de veículos nacionais que, no máximo, têm um ou dois correspondentes no Sul, provavelmente na Capital. Mas não recebi indicação de nenhum link de veículo local entre os destacados nas primeiras posições da busca.
A exclusão algorítmica provoca invisibilidade e apagamento do trabalho de centenas de jornalistas que são do interior e estão acompanhando de perto as operações de ajuda humanitária para salvar vidas e a contabilização regional dos danos deixados pela enchente.
O jornalismo local é uma força social no combate à desinformação porque é capaz de verificar in loco, testemunhar o que acontece de perto. Ao priorizar outros critérios de relevância, os algoritmos calam as notícias das pequenas comunidades: um desserviço à população.
Você pode estar argumentando: “mas os resultados de busca são personalizados, cada usuário recebe um conjunto distinto de links…”. Sim, por isso mesmo, eu desafio: se você busca alguma notícia específica de sua região digitando “inundações Rio Grande do sul Lajeado”, ou qualquer outra cidade gaúcha do interior, o Google oferece muito pouco ou nada de notícias locais. Em destaque, apenas a visão de grandes portais.
O algoritmo privilegia os grandes veículos nacionais (Folha, G1, UOL), com alto page rank. No Google News, aba de navegação para filtrar resultados de notícias, não é diferente.
Sabidamente os pequenos portais têm menos recursos técnicos para implementar políticas de otimização de buscas, e isso reduz a relevância algorítmica. Ainda que esses veículos possam contar a história do local pesquisado de forma muito mais precisa e autêntica, com as vozes locais, o buscador privilegia os grandes.
Por meio das big techs, o Brasil todo acessa as notícias pelas lentes dos big players da comunicação nacional, que não necessariamente são os mais próximos ou os melhores para essa cobertura.
É um ciclo vicioso. O algoritmo leva pouco em conta a proximidade e credibilidade dos veículos locais. Esses veículos têm menos acessos, exibem menos anúncios, recebem menos receita e se tornam ‘menos relevantes’ no próprio buscador.
Quando eu comecei a trabalhar com comunicação digital, tudo era mato. Conheço a lógica dos negócios digitais e a complexidade que envolve uma programação algorítmica. Por isso mesmo estou aqui, me expondo, para retomarmos uma discussão central: o jornalismo precisa ser priorizado, o trabalho de cobertura local precisa de visibilidade.
Eventos climáticos extremos, que custam vidas e destroem cidades, evidenciam a importância de uma comunicação humanística, e ela precisa começar na comunidade local, na construção do hábito de leitura de notícias locais que aproximem as pessoas e ampliem o senso coletivo.
A solidariedade em meio ao caos indica isso: pessoas próximas importam, e queremos saber delas e sobre elas. É assim que funciona a rede social. Somos locais, vivemos na cidade e nos importamos com quem está perto. Por que os algoritmos não consideram essa lógica em grandes acontecimentos?
Já passa da hora de as Big Techs se abrirem ao diálogo franco com a sociedade. Caso contrário, seguirão com um poder acima do desejável. O resultado são fake news, sensacionalismo, pouca valorização das notícias locais. Por que não é criado um selo de fonte certificada, assim como existe o selo de perfil verificado?
É preciso repensar as responsabilidades diante de uma tragédia como esta do Sul brasileiro. Medidas paliativas não transformam realidades; precisamos criar mecanismos permanentes de fontes certificadas de informações que incluam e valorizem o jornalismo local e que reconheçam critérios sociais, humanitários e geográficos como prioridade.
Se esta for a regra, assim também funcionará a seleção algorítmica em tempos de crise. É tempo de refundar a ética algorítmica pelo viés humanitário.
3 é demais
Três notícias ou conteúdos importantes, que você pode não ter lido.
- Repórteres no Rio Grande do Sul destacam a dura realidade e necessidade de atenção e apoio à região afetada. Leia.
- EUA: mudanças na relação do público com as notícias locais online, desempenho dos veículos e desafios financeiros. Aqui.
- Dois tipos de desinformação – contextual e específica, e suas consequências negativas diante da crise no RS. Como combater? Saiba mais.
Assista “A Cobertura Jornalística em Desastres Ambientais no RS”
Transmitida pelo YouTube, a live “A Cobertura Jornalística em Desastres Ambientais” reuniu profissionais do jornalismo representando diversas áreas do Rio Grande do Sul. O evento reforçou a importância do jornalismo local como ponto de esperança e fortalecimento das comunidades em momentos de crise.
Os participantes discutiram as mudanças nas rotinas jornalísticas, a importância do jornalismo local como serviço essencial à comunidade e o papel crucial das redações em conectar informações entre órgãos oficiais e cidadãos afetados. Entre os convidados estavam representantes de veículos renomados como Grupo Diário de Santa Maria, Grupo Oceano, Portal Litoralmania, Portal Gaz, Acústica FM, Portal Leouve, Portal OCorreio, Jornal Folha do Mate e Rádio Terra FM, Rádio Independente e a SECOM RS.
Recomendamos conferir a reprise completa no link abaixo, que oferece um registro histórico sobre o papel do jornalismo local em meio às emergências climáticas:
Colaboração da Agência Lupa com veículos da Rede Alright
A Agência Lupa está disponibilizando conteúdos sobre as enchentes no Rio Grande do Sul para republicação, sem custos, por veículos parceiros da Alright. O objetivo é ampliar a disseminação de verificações sobre as enchentes para ajudar aqueles impactados pela tragédia. Natália Leal, CEO da Lupa, destacou a importância da colaboração em momentos como este com estratégias para garantir que ninguém seja prejudicado por desinformação.
Acesse a página oficial de checagens sobre as enchentes no RS.