Esta análise que publico abaixo, do estudioso especialista em jornalismo Jacob L. Nelson*, professor associado de comunicação na Universidade de Utah, é uma tradução e resumo que fiz para você a partir do original publicado no portal-bíblia do jornalismo contemporâneo, o Nieman Lab. Ele toca num tema correlato ao que abordei no meu último artigo, aqui na Aurora News.
No meu artigo, falei que jornalistas vivem o dilema profissional/existencial/ideológico/financeiro de trabalharem para empresários e que essa é sua gaiola de ouro. De ouro, mas gaiola. Que em geral, obviamente, não gostam, mas da qual não conseguem escapar. Pagar as contas como?
O artigo do professor aponta para o fato de que os leitores estão menos preocupados com a isenção ideológico-política das redações e muito mais com o fato de que o jornalismo, isento ou não, existe para fazer o lucro do dono da publicação.
Comentei que isso é o conundrum da profissão e, de resto, de toda a indústria do jornalismo. Conundrum é um dilema sem solução, tal é esta atividade na qual atuo há 50 anos (com orgulho, só para esclarecer. Morrerei jornalista).
Leia com MUITA atenção este estudo e esta análise. Ela se baseia na realidade do jornalismo dos Estados Unidos. Aqui, as premissas seguem válidas. Só a realidade que é pior um pouco. Ou muito.
Aprecie sem moderação.
Crise de Confiança no Jornalismo: Questão de Dinheiro e Não de Política?
O jornalismo enfrenta uma crise de credibilidade. Apenas 32% dos americanos relatam ter “muita” ou “bastante” confiança nas reportagens jornalísticas, um recorde histórico negativo. Tradicionalmente, os jornalistas acreditam que essa falta de credibilidade se deve à percepção de parcialidade política dos repórteres e editores. Por isso, líderes de redação defendem a “objetividade” e criticam jornalistas que expressam opiniões nas redes sociais.
A suposição é simples: organizações de notícias estão lutando para manter a confiança do público porque os jornalistas dão motivos para desconfiar deles. Os gestores acreditam que, se o público perceber os jornalistas como neutros e objetivos, será mais provável confiar — e até pagar — pelo jornalismo que produzem.
No entanto, um estudo recente publicado em parceria com os acadêmicos Seth Lewis e Brent Cowley no “Journalism” sugere que o problema de desconfiança vem de outro lugar. Com base em 34 entrevistas realizadas por Zoom com adultos de diferentes idades, tendências políticas, status socioeconômico e gênero, descobrimos que a desconfiança não se origina do medo de doutrinação ideológica, mas da suposição de que a indústria jornalística valoriza mais os lucros do que a verdade ou o serviço público.
Os americanos entrevistados acreditam que as organizações de notícias relatam as informações de maneira imprecisa não para persuadir o público a apoiar ideologias políticas específicas, mas para gerar maior audiência e, consequentemente, maiores lucros.
Interesses Comerciais Minam a Confiança
O negócio do jornalismo depende principalmente da atenção do público. As organizações de notícias lucram com essa atenção indiretamente, por meio de anúncios — historicamente impressos e televisivos, mas agora cada vez mais digitais. Elas também monetizam essa atenção diretamente, cobrando assinaturas de seu público.
Embora as organizações de notícias precisem de receita para sobreviver, o jornalismo como profissão sempre manteve uma “barreira” entre suas decisões editoriais e interesses comerciais. NPR, por exemplo, afirma em seu manual de ética que “o propósito de nossa barreira é controlar a influência de nossos financiadores sobre nosso jornalismo.”
Na prática, isso significa que jornalistas do The Washington Post, segundo esses princípios, devem se sentir encorajados a investigar a Amazon, mesmo sendo o jornal de propriedade do fundador e presidente executivo da Amazon, Jeff Bezos. No entanto, a eficácia dessa barreira no mundo real é incerta, e muitos jornalistas orgulham-se de seguir a história aonde quer que ela leve, independentemente das implicações financeiras para suas organizações.
Apesar da importância desse princípio para os jornalistas, as pessoas entrevistadas pareciam ignorar sua existência. Elas assumiram que as organizações de notícias ganham dinheiro principalmente por meio de publicidade, o que levou muitos a acreditarem que os jornalistas são pressionados a buscarem grandes audiências para gerar mais receita publicitária.
Viés em Favor dos Lucros
Os entrevistados descreveram os jornalistas como envolvidos em uma luta contínua para capturar a atenção do público em um ambiente de mídia extremamente competitivo. Um entrevistado comentou: “Se você não obtém um certo número de visualizações, você não está ganhando dinheiro suficiente, e isso não termina bem para a empresa.”
Muitos concordaram que o jornalismo é tendencioso, assumindo que tal viés existe por razões orientadas para o lucro, e não estritamente ideológicas. Alguns entrevistados citaram exemplos de financiamento de grupos que desejam ver uma agenda específica promovida, como mencionaram George Soros.
Outros reconheceram que algumas organizações de notícias dependem principalmente de suas audiências para suporte financeiro por meio de assinaturas, doações ou associações. Apesar de verem diferentes formas de geração de receita, ainda descreviam uma profunda desconfiança em relação à influência dos interesses comerciais no jornalismo.
Preocupação Equivocada com a Parcialidade
Diante dessas descobertas, parece que a preocupação dos jornalistas em se defenderem contra acusações de viés ideológico pode ser equivocada. Muitas organizações de notícias têm buscado transparência como uma abordagem para ganhar a confiança do público, com o objetivo implícito de demonstrar que trabalham com integridade e sem viés ideológico.
Desde 2020, por exemplo, o The New York Times mantém uma página “Por Dentro do Jornalismo” que descreve como seus repórteres e editores abordam diferentes aspectos da cobertura, desde o uso de fontes anônimas até a confirmação de notícias urgentes. O The Washington Post iniciou uma página similar “Por Dentro da História” em 2022. No entanto, essas iniciativas não abordam a principal causa de preocupação entre os entrevistados: a influência da busca por lucros no trabalho jornalístico.
Joio do trigo
Em vez de se preocupar tanto com a percepção de parcialidade política dos jornalistas, talvez seja mais benéfico para os gestores de redação focar em combater a percepção de viés econômico. Uma demonstração mais eficaz de transparência poderia se concentrar menos em como os jornalistas fazem seu trabalho e mais em como as preocupações financeiras das organizações de notícias são mantidas separadas das avaliações do trabalho dos jornalistas.
*Jacob L. Nelson é professor associado de comunicação na Universidade de Utah. Este artigo é republicado da The Conversation sob uma licença Creative Commons.