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Desinformação como barreira e aumento de incertezas aos esforços de socorro às vítimas de tragédia 

Durante as enchentes no Rio Grande do Sul, a disseminação de fake news dificultou os esforços de ajuda, levando o governo a investigar e combater essas falsas informações, enquanto o pesquisador Marcio Borges destacou que a desinformação se aproveita de tragédias para lucro, explorando dúvidas e credibilidade através de tecnologias digitais, e ressaltou a importância de buscar informações em fontes confiáveis e oficiais.

Desinformação como barreira e aumento de incertezas aos esforços de socorro às vítimas de tragédia 

Durante as enchentes no Rio Grande do Sul, a disseminação de fake news dificultou os esforços de ajuda, levando o governo a investigar e combater essas falsas informações, enquanto o pesquisador Marcio Borges destacou que a desinformação se aproveita de tragédias para lucro, explorando dúvidas e credibilidade através de tecnologias digitais, e ressaltou a importância de buscar informações em fontes confiáveis e oficiais.

Entrevista veiculada em Fast Company Brasil

Em meio ao desastre causado por enchentes no Rio Grande do Sul, o poder público, a imprensa e a população tiveram que lidar com mais um problema: a disseminação de fake news. A onda de desinformação – notícias como a de que a Anvisa estaria dificultando a chegada de remédios em abrigos ou de que havia exigência de nota fiscal aos caminhões que transportavam doações às vítimas – atrapalha o trabalho de ajuda às vítimas e espalha incertezas.

O ministro Ricardo Lewandowski encaminhou à Polícia Federal um pedido de investigação sobre disseminação de notícias falsas em relação à tragédia. A Secom (Secretaria de Comunicação Social) indicou 13 perfis que estariam espalhando fake news. Em entrevista ao Jornal Nacional, o ministro Paulo Pimenta disse que a intenção do pedido de investigação é coibir fake news criminosas. A jornalista Daniela Lima noticiou que o governo criou uma sala de situação para combater notícias falsas sobre o RS, além de ir às big techs.

Foi nesse contexto que o 5 perguntas entrevistou o pesquisador associado no NetLab, Doutorando em Ciência da Informação e Mestre em Comunicação pela UFRJ, Marcio Borges. O NetLab da UFRJ é um laboratório de pesquisa em internet e redes sociais dedicado a diagnosticar o fenômeno da desinformação e suas consequências no Brasil.

FC – Quem ganha disseminando fake news em momentos de tragédia como esse?

Marcio Borges – Os momentos de tragédia são grandes oportunidades de se ganhar dinheiro através da desinformação. A tragédia deixa as pessoas propensas à uma busca dirigida de informação. Essa curiosidade, movida pela própria natureza humana, envolve desde os sentimentos mais mórbidos aos sentimentos mais nobres, heróicos e solidários. 

Nesse ambiente dramático e caótico ocasionado pela tragédia, a busca pela informação legítima e verdadeira também gera o ambiente perfeito para a distribuição massiva de desinformação. Esse ambiente cria uma audiência pronta para ser capturada e presa às mais diversas narrativas. Então, sim, tem muita gente que procura ganhar às custas da tragédia humana. 

FC – Podemos dizer que a disseminação das fake news é um negócio, certo? E que há gente lucrando com isso.

Marcio Borges – A desinformação explora dois pilares importantes. Ela explora em primeiro lugar a dúvida das pessoas. E a exploração da dúvida é dividida de duas formas: atacando a imprensa profissional, colocando a credibilidade da imprensa em permanente estado de defesa e com isso buscando gerar tráfego e monetização para outros ambientes, capturando essa audiência.

Depois, cria-se um ecossistema novo, de supostas fontes de informação, onde a verdade escondida será mostrada. Então o mecanismo é simples – ataca a imprensa dizendo que tudo é mentira e conduz para outro ambiente onde supostamente tudo é verdade. Essa, em um resumo bem simples, é a maneira de explorar a dúvida. 

O outro pilar é a exploração da credibilidade: aqui entra toda a forma de pirataria de marcas, de imagens de pessoas públicas e de instituições. De que forma isso funciona? Segue um de inúmeros exemplos: se utilizam da imagem de uma pessoa pública de credibilidade, cria-se um deep fake através de IA e pede-se doações para contas que não são reais.

Outro exemplo: usam imagens de instituições sérias, criam-se sites, copiam as marcas e todo o ambiente e criam golpes para que pessoas que legitimamente estão tentando ajudar caiam. Esse exemplo é duplamente perverso porque se utiliza da credibilidade de instituições, empresas, pessoas públicas para aplicar o golpe e quando o golpe acontece ele acaba diminuindo exatamente a credibilidade dessas pessoas, dessas empresas e dessas instituições.

FC – Como acontece, tecnicamente, o processo coordenado de desinformação?

Marcio Borges – A desinformação usa todo o aparato tecnológico que foi construído para distribuir informação e a legítima liberdade de expressão das pessoas para florescer. Como esses sistemas e as próprias plataformas digitais são ineficientes em controlar isso, ela se tornou um negócio próspero. Basicamente estamos falando da disputa de atenção e retenção de audiências.

Para isso a desinformação se vale de ideias extremistas, de linguagem sensacionalista e das redes sociais para uma distribuição em escala. Como são campanhas coordenadas, elas se valem de uma abordagem multiplataforma usando distribuição de links em mensagerias (grupos de mensagens), de postagens em plataformas digitais e de – inclusive – anúncios pagos, micro segmentados, buscando exatamente as audiências mais vulneráveis para as mensagens que serão distribuídas.

Normalmente são campanhas que chamamos de firehose. Elas começam em portais de junk news que hospedam essas mensagens. Esses links são distribuídos através de aplicativos de mensagens onde se testam organicamente e de forma rápida a receptividade das mesmas, então isso é extrapolado para as bolhas nas plataformas sociais mais massivas e conhecidas. O estágio seguinte, validadas as mensagens que melhor performaram, é transformar esse conteúdo em audiovisual, com vídeos curtos vídeos longos, e entrar nas plataformas focadas em vídeos.

Aqui entram os “influenciadores” da desinformação, que se beneficiam e ampliam esse ecossistema. Nessa hora, normalmente, a bolha é estourada e as mensagens chegam ao mainstream onde, em muitos casos, chegam a ser pautadas e viram cobertura de parte da imprensa profissional.

FC – Como alertar a população para que não caia ou acredite em notícias falsas – e não ajude a espalhar desinformação?

Marcio Borges – O ideal, nesses casos de tragédia, é que as pessoas busquem e chequem a informação em meios de comunicação fontes tradicionais, além das páginas oficiais das diversas esferas governamentais e de instituições já estabelecidas.  Para quem quer ajudar, existem vários movimentos legítimos, mas para não cair em golpes, procure por organizações da sociedade civil que já eram estabelecidas ou até mesmo por empresas que estão criando movimentos de ajuda. São inúmeras instituições da sociedade civil que devemos apoiar de todas as formas possíveis.

E nunca compartilhar aquilo que você não tem certeza da origem ou até mesmo do contexto em que a mensagem está inserida. Se enviarem um vídeo de algum meio de comunicação com alguma suposta matéria, busque pela matéria no veículo de comunicação antes de compartilhar. Muitas vezes os vídeos são manipulados, descontextualizados e isso acaba alimentando redes de desinformação para capturar a atenção das pessoas.

FC – O ministro Ricardo Lewandowski encaminhou à Polícia Federal pedido de investigação sobre disseminação de notícias falsas em relação ao Rio Grande do Sul. A Secom indicou 13 perfis que estariam espalhando fake news, levando pânico à população e atrapalhando ações de auxílio ao estado. Qual é a importância do governo entrar com medidas efetivas contra as fake news? O que você diria para quem chama ações desse tipo de censura?

Marcio Borges – A livre e legítima liberdade de expressão está ao alcance de todos. A liberdade de expressão só não pode alimentar crimes. Responsabilidades são condições inerentes ao pleno exercício das liberdades. As regras de trânsito não nos tiram o direito de ir e vir, porém estamos sujeitos às penalidades inerentes aos riscos que assumimos ao dirigir um automóvel. Imaginem o recente acidente que ocasionou uma morte envolvendo um Porsche que colidiu em um Renault de um motorista de aplicativo que, fatalmente, não sobreviveu ao acidente.

Não estou aqui julgando o motorista porque para isso tem uma investigação e um julgamento. Caso tenha existido alguma falha no carro, a montadora poderá ser implicada. Se não tiver, o motorista é o responsável independente se dolosamente ou culposamente. Mas antes do acidente esse motorista não teve o direito de ir e vir cerceado. Essa liberdade foi exercida plenamente.

Imaginem, agora, uma nova situação: e se esse mesmo acidente tivesse sido ocasionado por um carro autônomo e esse motorista acima fosse apenas o dono e passageiro do Porsche envolvido no acidente fatal? Quem seria o responsável? Por ainda não termos claras as responsabilidades, não temos carros autônomos sem a condução de um motorista responsável nas ruas.

Não porque não temos a tecnologia, mas sim porque não temos regras. Não temos carros dirigidos por sistemas algorítmicos porque não temos quem responsabilizar.  Porém temos conteúdos, muitos deles criminosos, que igualmente matam, distribuídos de forma autônoma, algoritmicamente, em escala, sem trazermos de volta para a mesa a discussão de responsabilidades.

Volto ao que disse acima. O mesmo ecossistema que foi criado para distribuir informação, tem sido usado livremente para distribuir desinformação. Sendo que esse modelo, sem regras e sem supervisão, tem sido um negócio mais eficiente e muito mais lucrativo para a indústria da desinformação, asfixiando o negócio da informação profissional e responsável.

Conteúdo cedido para colaboração. 

Título original: 5 perguntas para Marcio Borges, pesquisador do NetLab UFRJ

Crédito imagem na publicação original: Divulgação/Fast Company

Escrito por Mariana Castro

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