Um fundo independente destinado a apoiar o jornalismo de interesse público no Brasil foi anunciado com o aporte financeiro inicial de fundações filantrópicas no valor de 2 milhões de dólares. O anúncio feito no dia 13 de junho, durante o Festival 3i, realizado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), no Rio de Janeiro, gerou expectativas e promete impactar o setor até o próximo ano.
A jornalista Nina Weingrill é uma das consultoras responsáveis pela estruturação do fundo. O objetivo é operar de maneira independente. O foco será em mídias comprometidas com a pluralidade, diversidade e o interesse público, reforçando o compromisso com a democracia e a informação de qualidade em diferentes contextos sociais e geográficos.
A Oak Foundation, Fundação Ford, Luminate, Open Society Foundations (OSF) e o Fundo Internacional para Mídia de Interesse Público (IFPIM) são algumas das instituições filantrópicas que já fizeram ou se comprometeram a fazer aportes financeiros ao fundo. A expectativa é que outras instituições filantrópicas e empresas, tanto nacionais quanto internacionais, se juntem à iniciativa.
Nina acredita que o fundo pode ser uma nova oportunidade de apoio, enriquecendo o ambiente jornalístico brasileiro e promovendo uma distribuição mais equitativa de recursos. Em entrevista à Aurora News, ela dá detalhes sobre a iniciativa e fala da etapa de consulta sobre boas práticas e recomendações.
Quais os critérios serão utilizados para selecionar as organizações que receberão apoio do fundo?
Estamos realizando uma escuta grande com o campo para estabelecer esses critérios. Temos uma primeira fase sendo feita por meio de um questionário online e entrevistas individuais, e uma segunda etapa que terá participação de grupos focais convidados para um momento de construção coletiva. A partir disso, vamos para o desenvolvimento da governança e dos critérios de uma etapa piloto, com ciclos de investimentos, com duração de dois anos.
Como vocês planejam garantir a transparência e a eficácia na distribuição desses recursos?
Nós entendemos que existem duas frentes de atuação que podem contribuir para dar transparência. Uma delas é trabalhar na comunicação dos processos. Falo isso, por exemplo, no sentido de quando se lança um edital, de deixar claro o que o edital está apoiando, como esse apoio acontece, quais são os critérios. Precisamos dizer como esse aporte vai ser feito e também para o campo, de forma geral, como o fundo estará acompanhando as iniciativas apoiadas.
Outra frente se refere a trabalhar no levantamento de dados e informações sobre esse campo de filantropia que apoia o jornalismo e vem apoiando o jornalismo no Brasil nos últimos anos. Entendemos que o fundo não é a solução, ele é um ator que quer fomentar esse ecossistema e, para isso, precisa entender como vai dialogar com ele, por isso, gerar dados e informação sobre o campo é crucial.
Isso ajuda também a dar transparência, não apenas para a ação do fundo, mas para olharmos para todo esse ecossistema e saber quem são as fundações que financiam, como elas financiam, quais são os critérios que elas utilizam, quais as organizações beneficiadas, dentre outros aspectos. Isso tudo está na visão do fundo. Queremos saber como contribuir para esse ecossistema sem “canibalizá-lo”.
Como o fundo pretende lidar com as fragilidades estruturais e desafios de sustentabilidade financeira das organizações de mídia? Esse tem sido um tema recorrente em eventos, publicações e interesse geral do setor.
Essa pergunta tem muito a ver com os critérios que vamos estabelecer para os aportes. A única coisa que temos definida por hora é que esses financiamentos serão de cunho institucional. Entendemos que financiamentos vinculados a projetos podem fragilizar essas organizações em muitos aspectos. O financiamento institucional dá autonomia para que a organização identifique e faça investimentos de acordo com suas prioridades. Essa escuta que estamos fazendo no campo vai nos ajudar a olhar também para essas demandas prioritárias, gerar uma fotografia atual do que está acontecendo.
E, em relação à pergunta anterior, como lidar com isso quando se trata de jornalismo regional e local?
As fragilidades de organizações regionais e locais são muito semelhantes, ainda que os contextos sejam diversos, mas há uma demanda muito maior quando a gente pensa fora do contexto Sudeste. Essas organizações que estão atuando a partir de outros estados têm muito menos acesso a recursos. Logo, elas têm maior fragilidade institucional e precisam investir em equipe, em infraestrutura, em tecnologia, coisas necessárias para que o projeto avance.
Quais são as melhores práticas e recomendações que vocês esperam implementar no fundo, baseadas na consulta pública e na pesquisa comparativa com outros fundos ao redor do mundo?
Sabemos que valores como transparência, equidade de investimento e pluralidade são valores importantes para o fundo. Para aprofundar esses conceitos e transformá-los em prática, estamos fazendo essa escuta com o campo. Indicamos que o questionário seja respondido e amplamente divulgado (disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSf8a8WuBWuKAkkX__hLzFRu82BbCMDrAkJd1KneDa2vKpwDpg/viewform). Esse questionário ficará disponível até o fim do mês de julho. E é muito importante ter uma representatividade grande de iniciativas, de jornalistas e de comunicadores que tenham interesse na construção dessa história, que eles possam responder esse questionário. Estamos olhando para muitas coisas. Essas referências internacionais dão muitas balizas para a gente, mas queremos que uma fotografia do Brasil informe a construção desse piloto.
Como vocês pretendem medir o impacto do fundo no fortalecimento do jornalismo de interesse público no Brasil?
É tudo muito novo no campo de fundos nacionais de jornalismo. Se olharmos, por exemplo, no caso dos Estados Unidos, como o Press Forward, temos uma iniciativa muito recente que está em construção. Há uma mobilização forte de atores da filantropia para fazerem doações nacionais e também locais. Mas isso está dentro de um contexto americano, de que as pessoas já estão acostumadas com isso, que a filantropia já é mais estruturada. Olhando para o outro lado dessa história, sobre os fundos que estão em construção também em países do sul global, que têm menos recursos, percebemos a escolha de investimento para apoiar jornalistas em vez de organizações. Esse é o caso de um fundo que está sendo criado nas Filipinas.
Existem diferenças muito grandes que posso apontar com base no estudo que estamos realizando sobre os diferentes fundos. Precisaremos cuidar muito desse processo, pois o Brasil tem um contexto de mídia muito específico e um histórico recente peculiar na busca por soluções para a falta de pluralidade e diversidade, além dos desertos de notícias. E, lembrando, isso é um piloto. Não temos a pretensão de que o fundo vá resolver o problema de financiamento do jornalismo, nem de longe. O impacto virá da definição da missão e dos objetivos que o fundo terá, para entendermos o que, de fato, vamos acompanhar e que tipo de transformação pretendemos com essa iniciativa.
Olhamos para o contexto nacional e entendemos como esses investimentos, que são muito pequenos, perto de uma demanda que é muito grande, vão chegar da forma mais inteligente possível. Vamos trabalhar com mais e melhor dinheiro para o jornalismo.