Desde o final do século XX, a Internet tem passado por grandes transformações que moldaram não apenas como acessamos informações, mas como interagimos com o mundo. A atual discussão trazida pelo artigo do Wall Street Journal – “Googling Is for Old People. That’s a Problem for Google” – reflete o início de mais uma fase dessa evolução: a transição para a quarta onda da web, marcada pelo protagonismo da inteligência artificial generativa e dos assistentes pessoais. Para entender essa mudança, é importante revisitar as fases anteriores da internet e como o conteúdo e o comportamento dos usuários evoluíram.
A primeira onda na internet: portais de entrada para a informação
No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a web comercial começou a se consolidar com os portais. Empresas como AOL, Yahoo! e UOL no Brasil dominavam o cenário como os primeiros grandes hubs de acesso à internet. Esses portais reuniam notícias, entretenimento, links e serviços de e-mail, tornando-se verdadeiras “praças virtuais” que organizavam o mundo digital para os usuários.
Nessa fase, o conteúdo era estático, dominado por textos e imagens de baixa resolução. A velocidade das conexões, ainda limitada pelo dial-up, restringia o consumo de formatos mais ricos. A internet era um lugar de descoberta lenta, mas revolucionária, onde o foco estava na curadoria de informações e na construção de comunidades emergentes.
A segunda onda na internet: a ascensão da busca
Com a expansão da internet e o aumento exponencial do volume de informações, surgiu a necessidade de uma ferramenta eficiente para navegar por esse vasto mar de dados. Foi aí que o Google despontou como o grande mediador do conhecimento digital.
A busca transformou o comportamento dos usuários, trazendo a promessa de encontrar qualquer coisa em poucos segundos. Essa nova dinâmica permitiu que as pessoas deixassem de depender de portais e assumissem um papel mais ativo na navegação. A web tornou-se mais descentralizada, e a indexação das páginas criou uma economia digital baseada em palavras-chave e publicidade direcionada.
A busca também influenciou profundamente a produção de conteúdo, com o SEO (Search Engine Optimization) determinando o formato e o foco do que era publicado. O objetivo era claro: ser encontrado.
A terceira onda: a era dos feeds e das redes sociais
O surgimento do Facebook, Twitter, Instagram e outras redes sociais trouxe uma mudança fundamental na forma como consumimos informações. Na terceira onda da web, os feeds se tornaram a principal porta de entrada para a internet.
Em vez de buscar ativamente, os usuários começaram a ser bombardeados por conteúdos personalizados, entregues diretamente em suas telas. Essa lógica, baseada em algoritmos e no engajamento emocional, inaugurou a era da atenção fragmentada.
No Brasil, plataformas como Orkut e, posteriormente, Facebook e Instagram, moldaram o comportamento de milhões de pessoas. O foco passou a ser não apenas consumir, mas também produzir conteúdo – especialmente em formatos visuais e vídeos curtos. Essa fase foi marcada pelo surgimento de influenciadores digitais, pelos debates polarizados e pela dependência de métricas como curtidas e compartilhamentos.
A quarta onda: Inteligência Artificial Generativa e o futuro personalizado
Agora estamos na transição para a quarta onda, onde a inteligência artificial generativa e os assistentes pessoais estão mudando mais uma vez como interagimos com a internet.
Ferramentas como ChatGPT, Bard e outros sistemas de IA estão substituindo a busca tradicional por interações mais contextuais e personalizadas.
Essa nova fase se baseia no poder computacional em nuvem, na conectividade 5G e nos dispositivos avançados, que permitem experiências altamente imersivas e instantâneas. A IA generativa não apenas responde a perguntas, mas cria conteúdos, sugere ações e ajuda na tomada de decisões – tornando-se uma extensão direta da mente humana.
Os assistentes pessoais prometem eliminar o ruído dos feeds, oferecendo interações mais focadas e baseadas em intenções específicas. Isso representa um desafio direto ao modelo do Google, que depende da navegação por cliques. Em vez disso, a IA pode entregar a resposta ou solução diretamente, reduzindo a relevância da página de resultados.
O novo paradigma do conteúdo na internet
A evolução da internet também transformou o conteúdo que consumimos. Nos primórdios, textos e imagens eram os pilares. Hoje, graças às conexões ultrarrápidas e ao poder computacional, vivemos na era dos streamings de vídeo, conteúdos ao vivo e podcasts.
Plataformas como YouTube, Twitch e TikTok competem ferozmente por cada segundo de atenção.
A competição não é mais apenas por cliques, mas por engajamento emocional. Os algoritmos agora priorizam aquilo que mantém os usuários imersos, seja em vídeos curtos, seja em transmissões de longo formato. Isso significa que o futuro do conteúdo está cada vez mais vinculado à personalização e à relevância para o momento.
Brasil: reflexo e inovação na quarta onda
No Brasil, esse movimento é especialmente marcante. Somos um dos países mais conectados e com maior engajamento em redes sociais do mundo. A adaptação às novas tecnologias, como inteligência artificial generativa, já está em curso, com empresas e criadores de conteúdo explorando seu potencial.
Para o Google, o desafio no Brasil é ainda mais complexo. Com a juventude migrando para TikTok, Instagram e outras plataformas, a empresa precisa repensar como se posicionar em um ambiente digital onde a busca tradicional está perdendo relevância.
O que nos espera
Cada onda da internet trouxe mudanças profundas, mas também desafios. A quarta onda, movida pela inteligência artificial generativa, representa uma ruptura na maneira como interagimos com o conhecimento. Se antes buscávamos, hoje queremos ser assistidos.
Essa transformação é uma oportunidade para criadores, empresas e plataformas se adaptarem e inovarem. Contudo, é também um chamado à reflexão: como garantir que essa nova era seja inclusiva, ética e capaz de preservar a diversidade de vozes que define a internet? O futuro está sendo escrito, e cabe a nós moldá-lo com responsabilidade.
Preconceito etário e a falsa ideia de que “googling é coisa de velho”
O título do artigo do Wall Street Journal – “Googling Is for Old People” – reflete um problema que vai além da transformação tecnológica: o preconceito etário ou etarismo. Ao sugerir que o hábito de buscar informações no Google é algo “de velho”, o título carrega uma visão limitante e estereotipada sobre o comportamento humano na internet, ignorando a complexidade do que realmente define nossas escolhas e práticas digitais.
Na verdade, a internet sempre foi um espaço de pluralidade, onde as pessoas assumem papéis e hábitos independentes de sua faixa etária. O que determina os comportamentos online não é a idade biológica, mas o perfil, os interesses, as vivências e a atitude diante das inovações.
Essa visão mais ampla nos ajuda a entender que a digitalização – o processo de adotar ferramentas e práticas tecnológicas – é muito mais um marco de desenvolvimento humano do que algo limitado por gerações. A abertura para experimentar novas tecnologias, como a inteligência artificial generativa, ou para permanecer em métodos que continuam funcionais, como a busca, depende de uma mentalidade de curiosidade e adaptação.
Esse argumento desafia a narrativa preconceituosa de que certas práticas digitais são “ultrapassadas” ou exclusivas de um grupo etário. A verdade é que comportamentos digitais são moldados pela experiência e pela afinidade com as ferramentas, não por rótulos de idade. Assim como jovens podem preferir redes sociais como TikTok, muitas pessoas de todas as idades exploram plataformas como o Google, não por falta de inovação, mas por reconhecerem seu valor prático e confiabilidade.
A transição para a quarta onda da internet, com a ascensão de assistentes pessoais e inteligência artificial generativa, reforça a importância de abandonar visões limitadas. O protagonismo nessa nova fase não será dado a quem for mais jovem, mas a quem for mais adaptável e curioso. Essa condição é atemporal e universal, demonstrando que o futuro digital é, e sempre será, para todos – sem restrições de idade, mas com ênfase em mentalidade aberta e colaborativa.