Comprei no último feriadão, na livraria mais legal que conheço, El Ateneu (um antigo teatro), em Buenos Aires, e estou lendo a largos goles, o livro “Off The Records – Verdad, Sangre, Algoritmos y Negocios”, do jornalista Pablo Mancini, que altamente recomendo.
O Pablo escreve hoje para o The Washington Post e dá consultoria para a Amazon, mas já escreveu um monte de outros livros e trabalhou para um monte de outros grupos de comunicação, sendo sempre aquele jornalista digital antes e à frente de todos os seus colegas de profissão.
Sabe tudo de internet e jornalismo online. Agora, claro, também de Inteligência Artificial Generativa.
O livro foi publicado este ano, por isso pega pelo menos um pedaço da explosão da GEN AI.
Abaixo, traduzo entrevista dele para El Diario AR sobre sua obra mais recente, mas também sobre o poder e como pensam os líderes na mídia. Ou ainda, como prefere ele, sobre sangue e algoritmos (nos bastidores) da imprensa contemporânea.
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O que se pode esperar da Inteligência Artificial no que diz respeito à produção de conteúdos?
Todo mundo está esperando que você produza conteúdo, algo que a inteligência artificial pode fazer. Mas estou em outra discussão, acho que o mais importante para o jornalismo não é essa parte. A inteligência artificial pode produzir conteúdo, o que ela não pode produzir é jornalismo. Pode gerar novo conteúdo a partir de conteúdo existente, pode contar uma história a partir de verdades contadas.
O que a IA ainda não pode fazer é dizer a verdade, não pode dizer algo que ninguém sabe. Ele não pode fazer o seu trabalho. Se o seu trabalho é refazer o conteúdo, sim, você pode fazê-lo. Por outro lado, se o seu trabalho é dizer a verdade, a tecnologia hoje não pode fazê-lo. É por isso que o livro é otimista em relação ao jornalismo e aos jornalistas.
É por isso que você fala sobre IAs como um canto de sereia?
Exato. É um canto de sereia para quem está entusiasmado e para quem também está deprimido porque quem tem medo se engana sobre o trabalho que tem que fazer, que é dizer a verdade, fazer jornalismo. E qualquer um que acredite que a tecnologia irá ajudá-los a dizer a verdade está errado.
Se nos considerarmos jornalistas, temos as ferramentas habituais para fazer jornalismo, as ferramentas tecnológicas são inovações que permitem distribuir melhor, publicar mais rapidamente, editar conteúdos (no bom e no mau sentido), mas não permitem dizer algo que não é conhecido. E, tanto quanto sei, o jornalismo conta o que não se sabe.
Está ligado à subjetividade ou ao que é inerente ao jornalismo que a IA não consegue replicar?
Tem algumas coisas, uma é falar a verdade e a outra é desenvolver o seu próprio estilo. Você pode fazer isso, mas um algoritmo não pode. Talvez ele consiga imitar o seu estilo ou combinar estilos, mas não pode desenvolver o seu próprio, não pode ter a intenção de desenvolver essa singularidade.
Isso é central nesta história, porque no final das contas é dizer a verdade, que a verdade é relevante para o seu público e que você pode contá-la com um estilo que o diferencia. Se você fizer isso, estará fazendo jornalismo; caso contrário, será um algoritmo lento e barato em um corpo humano.
Você está otimista em relação ao futuro?
Mais do que nunca, acredito que essa efervescência, “o canto da sereia”, como chamo tudo o que a tecnologia vai fazer, está indo em outra direção. Não em substituir o jornalista ou o jornalismo, mas em tornar eficientes processos, organizações, formas de consumo, etc.
O processo com certeza será acelerado, da Internet até aqui tudo é aceleração. Não está acelerando tanto hoje porque IA é algo muito caro, tem implicações para o meio ambiente pela capacidade computacional e implantação de data centers que é preciso fazer no planeta para poder aproveitar a tecnologia disponível.
Como pensam os responsáveis dos grandes meios de comunicação?
A forma como as decisões são tomadas nas organizações noticiosas nem sempre responde à fantasia ou à mitologia tecnológica, nem à imposição de resultados financeiros, embora isso seja cada vez mais importante.
Existem variáveis que são emocionais, da ordem da subjetividade e da psicologia que rege. Isto significa que, por vezes, não compreendemos as decisões que são tomadas porque não estamos atentos ao facto de existirem variáveis com características emocionais e psicológicas.
Qual é a discussão dentro da indústria?
Com o livro quero refrescar a discussão e suavizar as previsões catastróficas e aquelas que apenas prometem parcelas de paraíso. Parece-me que nenhuma dessas coisas é verdade, acho que há mais coisas sob nosso controle na indústria do que sob o controle da tecnologia.
Da mesma forma que os últimos anos foram um ótimo momento para as equipes de tecnologia inovarem, acredito que agora é um ótimo momento para escrever, para fazer bons conteúdos. Está chegando a hora de fazer bom jornalismo.
Para fazer bom jornalismo e bons conteúdos é preciso tempo e isso exige mais dinheiro, dois elementos escassos no jornalismo atual. Não seriam uma impossibilidade ou uma contradição?
No subtítulo do livro tem uma palavra que é “negócio” e acho que deveria ser valorizada. Devemos procurar a terceira forma de financiamento, além da publicidade e das assinaturas. É preciso se reconciliar com a ideia de que um meio de comunicação tem que ser um bom negócio porque se isso acontecer poderei fazer um bom jornalismo. Se for um mau negócio não vou conseguir fazer um bom jornalismo, essa parte da discussão é importante.
Pense na ideia de uma organização, uma empresa que tem que ganhar dinheiro, que tem que ir bem, onde seus proprietários e acionistas ganham dinheiro e podem pagar salários e podem contratar talentos que os diferenciem de seus concorrentes e a homogeneização que o tecnologia. Não vejo isso como uma contradição, vejo isso como uma tensão. Às vezes, você não precisa puxar a corda, mas soltar e descobrir o que a realidade lhe impõe, que é um bom negócio.
Qual a importância das assinaturas para a produção de conteúdo?
O jornalismo online tem basicamente duas fontes de renda. Uma é a publicidade, que é insuficiente, e a outra são as assinaturas, que também são insuficientes. Separadamente são insuficientes. Mesmo assim, o cenário não é dos melhores e parece-me que o que estamos a ver agora é como alguns meios de comunicação começam a tentar criar uma terceira e complementar fonte de receitas à publicidade e às assinaturas.
Alguns fazem parceria com plataformas de e-commerce para aumentar as vendas desses produtos e assim ficam com uma porcentagem, outros realizam eventos ao vivo ou alugam a infraestrutura de sua organização ou a habilidade de seus jornalistas para produzir vídeos corporativos, até recentemente isso era feito muito conteúdo de marca (conteúdo patrocinado). Há tentativas de gerar uma terceira fonte de renda, não é estável, são explorações que a indústria está fazendo. Acho que a qualquer momento alguém vai bater nela e todos correremos atrás do mesmo modelo.
3 é demais
Três notícias ou conteúdos importantes, que você pode não ter lido.
- Na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06) e Dia Nacional da Liberdade de Imprensa (07/06), leia a pesquisa da Unesco e FIP -Federação Internacional de Jornalistas que recomenda proteção e apoio a jornalistas e veículos na cobertura de questões ambientais.
- Vazamentos: documentos descrevem o funcionamento de busca do Google e segredos sobre algoritmo. Entenda.
- Referências a sites de notícias continuam em queda no Facebook. Dados mostram que as referências aos sites caíram 58% nos últimos seis anos. Confira como esses dados afetam o tráfego para editores. Leia aqui.
Empreendedorismo coletivo e criativo: colaboração entre veículos de jornalismo local
A Alright realizará a live “Empreendedorismo coletivo e criativo: como criar redes de colaboração entre veículos de jornalismo local” em 18 de junho, às 10h, transmitida pelo canal no YouTube. O evento discutirá a colaboração entre veículos de jornalismo local, abordando benefícios e desafios da cooperação, redes de colaboração, compartilhamento de recursos, e redução de custos.
Serão exploradas ferramentas de co-criação de conteúdo, edição colaborativa, distribuição conjunta de notícias, e modelos de financiamento colaborativo. Também serão discutidas estratégias para envolver o público e utilizar mídias sociais e eventos comunitários, além de tendências e a visão de longo prazo para o jornalismo local colaborativo.
Café com ANER: Transformando Veículos de Imprensa Local em Oásis de Notícias
No evento “Café com ANER”, promovido pela Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) em 4 de junho, Domingos Secco, fundador da Alright, apresentou a proposta dos “Oásis de Notícias”. Ele destacou a missão da Alright de transformar veículos de imprensa local em fontes vitais de informação para suas comunidades, combatendo os desertos de notícias.
Secco falou sobre a importância de preencher lacunas informativas e a colaboração entre veículos de mídia. Ele também compartilhou tendências do “Guia Alright 2024” e ressaltou a meta de trabalhar com veículos locais nas 558 microrregiões do Brasil. Regina Bucco, diretora executiva da Aner, elogiou o evento e indicou a Alright para futuros encontros. O evento será disponibilizado no canal do YouTube da ANER e no site oficial da associação.
Leia os principais destaques do Café com ANER e Alright realizado no dia 4 de junho.