Dione Moura e Marlise Brenol compartilharam suas ideias e experiências sobre como o jornalismo pode e deve desempenhar um papel central na conscientização e ação ambiental. A seguir, a entrevista completa com essas especialistas, sobre transformar a pauta ambiental em uma prioridade contínua na mídia. Elas são professoras e pesquisadoras na Universidade de Brasília e integram o projeto interdisciplinar da Rede Biota Cerrado
A sociedade se mobiliza rapidamente diante das consequências drásticas em momentos de crise, como as observadas recentemente no Rio Grande do Sul (RS). Nesse contexto, os veículos de jornalismo atuam não apenas como informantes, mas também como educadores e agentes de mudança. Uma pergunta surge: como os veículos jornalísticos podem contribuir para que a preocupação com o meio ambiente se torne uma pauta permanente?
Para explorar essa questão, conversamos com Dione Moura e Marlise Brenol, professoras e pesquisadoras na Universidade de Brasília, que também integram o projeto interdisciplinar da Rede Biota Cerrado. Elas discutem a importância do jornalismo na conscientização ambiental, a necessidade de manter o tema na agenda pública e como o setor pode ajudar a combater o negacionismo climático.
As professoras também abordam a colaboração entre a imprensa e outros setores da sociedade, incluindo cientistas, movimentos ambientais e órgãos governamentais, como uma estratégia eficaz para uma comunicação de risco constante e preventiva. Elas são autoras de artigo que foi destaque no GZH Ambiente: “Precisamos de uma comunicação que salve vidas”.
Através de parcerias, eventos e conteúdos didáticos, o jornalismo pode se tornar uma referência sólida na comunicação de risco, promovendo uma cultura de conscientização e ação ambiental.
Quando situações de risco chegam a grandes proporções e vemos as consequências drásticas, como no Rio Grande do Sul, a mobilização da sociedade acontece de forma mais rápida. Como os veículos jornalísticos podem contribuir para que essa preocupação seja uma pauta permanente?
Dione Moura e Marlise Brenol:
No caso da pauta ambiental, os veículos de jornalismo têm uma função pedagógica e de alerta sobre os riscos, ou seja, manter o tema na pauta do dia é uma forma de compartilhar conhecimento, gerar conscientização e transformar a realidade.
Quanto maior a visibilidade para o tema, maior o alcance e a familiaridade do público com o assunto. A construção do repertório ambiental na sociedade passa pela imprensa, na medida em que termos como cidade-esponja, parques alagáveis, cota de inundação, áreas de risco e outros entram na ordem do dia e passam a fazer parte das conversações, maior será a predisposição para a escuta.
Quando os termos são familiares, os alertas tendem a ser melhor compreendidos em situações de risco como os eventos climáticos extremos. Mais do que mobilização rápida em eventos climáticos, é preciso mobilização constante pela conservação ambiental e mudança de hábitos prejudiciais ao coletivo por hábitos saudáveis e conscientes.
Há momentos específicos em que a imprensa acaba dando maior atenção à questão climática, como os momentos em que a crise está instalada, porém o debate precisa entrar na pauta antes, como prevenção.
A questão da legislação de proteção ambiental, por exemplo, deve também servir como pauta de prevenção. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, houve mudanças importantes na legislação ambiental com pouca ênfase e debate mediado pela imprensa.
Nós temos que, enquanto imprensa, “encurtar o pavio” em relação a questões ambientais. Uma mudança de legislação ambiental que sinaliza dano potencial futuro tem de ser tratada com alerta, alarde, precisa ganhar primeira página, espaços de entrevistas, debates. Não podemos deixar que a questão ambiental seja manchete apenas depois do dano consumado.
Como o jornalismo pode ajudar a combater o negacionismo ambiental e promover uma cultura de conscientização climática?
Dione Moura e Marlise Brenol:
O caminho para combater o negacionismo é o iluminismo, no sentido da busca pelo esclarecimento. A imprensa tem um papel importante nesta aculturação. É preciso valorizar cada vez mais a razão e a ciência para entender o mundo e os fenômenos da natureza.
O jornalismo tem ferramentas para ser protagonista nesta mediação social. Tanto a verificação de fake news e desinformação com circulação exponencial, como a apuração e reportagem de campo e o jornalismo científico são instrumentos potentes para dar visibilidade para a pauta de defesa do meio ambiente.
É preciso transformar a pauta ambiental em um tema que desperte paixão, amor e pertencimento, afinal a mãe natureza é mãe de todos nós. Só assim poderemos afastar a ideia de que o tema ambiental é do outro e não meu. O que afirmamos sempre é que o negacionismo ambiental é letal e precisa ter fim.
De que forma a imprensa tem colaborado com outros setores da sociedade para promover uma comunicação de risco eficaz? Temos bons exemplos de contribuições, por exemplo, com cientistas, movimentos de defesa do meio ambiente, órgãos de defesa e prevenção de risco, agentes públicos, dentre outros?
Dione Moura e Marlise Brenol:
A enchente de maio de 2024 no Rio Grande do Sul foi um exemplo bem-sucedido de comunicação de risco iminente no qual a imprensa local teve um papel protagonista para mediação informativa entre órgãos governamentais e a sociedade civil, bem como no alerta à população sobre elevação das águas, inundações, necessidade de evacuações, resgates para salvar vidas.
Ainda que não tenha chegado a todos que precisavam, a ampla cobertura de imprensa foi imprescindível para mobilizar a sociedade civil, os governos e o país como um todo para a urgência da catástrofe no sul.
Porém, a comunicação de risco precisa de constância para dirimir os danos à vida e aos bens materiais. Entendemos que a catástrofe climática do Rio Grande do Sul deva ser um marco e a partir dele distintos atores da sociedade possam se mobilizar em conjunto.
Quem sabe criar um comitê de comunicação de risco que envolva a universidade, os governos, a sociedade civil e a imprensa? Isso pode ser formado em prefeituras, em escalas menores, em micro e macrorregiões para envolver um conjunto de municípios e em escala estadual, conectando o âmbito federal.
É preciso criar vasos comunicantes – sem entupimentos – para que tenhamos uma comunicação de risco eficaz no sentido preventivo, não apenas paliativo quando o dano está dado. Quem sabe os veículos de imprensa possam puxar essa mobilização e promover encontros periódicos?
Além disso, podemos citar exemplos de trabalhos recentes e bem feitos por veículos de mídia para mobilizar a interlocução de atores sociais importantes, é o caso do especial da Veja sobre a relação entre a crise climáticas e a propagação de doenças infecciosas, citando resultados de pesquisas e dando voz a cientistas.
A Veja coloca a pauta no centro também quando promove o Prêmio Veja Saúde de inovação médica que reconhece o trabalho de pesquisadores brasileiros. A Agência Pública de jornalismo faz também um trabalho consistente em comunicação de risco ao associar a pauta ambiental e social, pois os impactos das mudanças climáticas estão diretamente relacionados a mazelas sociais no Brasil.
A editoria socioambiental da agência faz um trabalho regular de apuração e reportagem. O Correio Braziliense tem se destacado por abrir espaços na página de opinião para pesquisadoras e pesquisadores que trabalham com a pauta ambiental.
A Rede Biota Cerrado, da qual participamos ao lado de mais de 100 pesquisadores, tem obtido um excelente espaço editorial, inclusive com publicação de texto nosso recente sobre Desinformação ambiental que é inimiga da comunicação de risco.
A imprensa como mediadora importa, veja o caso do jornal Zero Hora que motivou esta entrevista aqui com a publicação do artigo sobre Comunicação de risco. É importante que os jornais impressos mantenham e ampliem o quanto possível esse espaço editorial para cientistas.
Como a imprensa pode dar mais espaço para as pesquisas científicas no contexto da comunicação de crise e fazer com que esse conhecimento chegue de forma acessível a toda a população?
Dione Moura e Marlise Brenol:
São infinitas possibilidades! A imprensa como produtora de conteúdo criativo e informativo tem potencial de ganhar protagonismo na comunicação de risco e ocupar o lugar de referência para a população na busca de orientações sobre o que fazer e como se proteger em situações de eventos climáticos extremos.
Algumas ações:
1) trabalhar com repórteres especializados em pautas ambientais que tenham competência para traduzir mundos e permitir ampliar o repertório;
2) criar quadros para conteúdos regulares que garantam a inserção da pauta ambiental na rotina, mesmo quando outras agendas se impuserem (teremos a Cop30 em Belém em 2025, quem sabe começar a cobertura desde já?);
3) promover eventos com convidados cientistas, especialistas ou mesmo gestores de organizações ambientais e dos governos;
4) criar o conselho de pautas ambientais que se reúna periodicamente para alinhar a pauta ambiental;
5) formar parcerias com universidades e grupos de pesquisa para fazer fluir com mais facilidade os resultados de pesquisas e produção de conhecimento;
6) ler e desenvolver parceria com o jornalismo universitário que pode fomentar colaboração em distintos âmbitos como o fez durante a enchente de maio no Sul com a formação da rede universitária de notícias;
7) produzir jornalismo explicativo, com infografia, ponto a ponto, videografismo e outros recursos didáticos;
8) criar campanhas de publicidade que legitimem o lugar da imprensa (autolegitimação) como referência em comunicação de risco para que o público assim perceba onde pode/deve buscar informações.